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Lombaerts, Jean-Baptiste e Henri Gustave
O litografo belga Jean-Baptiste Lombaerts (Bruxelas, 14.09.1822 - Rio de Janeiro, 1875), a sua esposa Elise Mathilde Busson (Bruxelas, 02.07.1821 - ?), o seu filho Henri Gustave Lombaerts (Bruxelas, 14.12.1844 – Rio de Janeiro, 09.06.1897) e a sua filha Marie Lombaerts (Bruxelas, 23.10.1846) chegaram no fim dos anos 1840 ao Rio de Janeiro, vindos do porto de Antuérpia. Nos certidões de casamento (Bruxelas, 08.12.1842) e de nascimento de Henri Gustave e Marie constam que Jean-Baptiste era encadernador.
Ele montou em 1848 na Rua da Quitanda, 68, no centro da cidade de Rio de Janeiro, sua tipografia. Em 1853, mudou-se para a Rua dos Ouvires,17 e depois 7, onde estabeleceu uma conceituada livraria, continuada pelo seu filho.
Viuvo, Jean-Baptiste casou-se no dia 04.05.1869 na Igreja do Santíssimo Sacramento da Antiga Sé no Rio de Janeiro, com Carolina Leyden (também escrito como Karoline Leiden).
Ao Missal, como era chamada a empresa de Lombaerts & Cia, funcionava como livraria, fiz encadernação (a preferida de D. Pedro II), trabalhava também como agência de assinaturas aos jornais da Europa e era especializada na literatura publicada em França e Bélgica. Destaca Ubiratan Machado "A Lombaerts segue atrair uma clientela rica e sofisticada. Ao lado dos livros exibe artigos de papelaria, selecionados e caros, e bebidas finas importadas. ... Nas estantes há livros em vários idiomas: inglês, alemão, italiano. Predominam, porém, as novidades franceses. A partir dos anos 1880, amplia a oferta de obras portuguesas: Eça de Queirós, Oliveira Martins, Antero de Quental. Há também uma excelente seção de medicina."
A partir de 1872, a Lombaerts & Cia produziu um suplemento em português que acompanhava alguns dos periódicos estrangeiros de maior destaque em seu catálogo, em especial a revista francesa La Saison, que circulou no Brasil de 1872 a 1878. Tendo seu pai falecido em 1875, em 15 de fevereiro de 1879 Henri Gustave Lombaerts passou a editar sua própria edição brasileira da revista, com o título de A Estação. No jornal O Fluminense de 1881, a livraria Lombaerts & Comp. anunciou A Estação, La Saison, jornal de modas Parisiense dedicado as senhoras brasileiras:
Publica-se a 15 e 30 de cada mês
Um ano do Jornal, além de 300 paginas de texto in-4°, contém cerca de 2,000 gravuras de modas e delicados trabalhos de senhora, 24 lindos figurinos coloridos à aquarela, 12 folhas grandes reproduzindo 300 moldes em tamanho natural, e grande número de riscos, monogramas, modelos etc. O texto, clara e minuciosamente explica todos esses desenhos indicando os meios de executa-lo de per is; além da parte literária, noticiosa, recreativa e útil, escrita especialmente para as leitoras d'este jornal.
A revista quinzenal destacou-se pelo suplemento literário, que publicou um número apreciável de colaborações de Machado de Assis; entre elas, muitas de suas Histórias sem Data e a seriação do romance Quincas Borba. Essas duas obras foram reimpressas por Lombaerts, na forma de livro, para a editora Garnier. Outros autores, como Arthur Azevedo, Olavo Bilac, Júlia Lopes de Almeida, Luiz Murat e Raymundo Corrêa, também colaboraram no suplemento literário. Conforme editorial da edição de 15 de março de 1882, a tiragem de A Estação nesse ano era de 10 mil exemplares, sinal de que o periódico havia conquistado boa aceitação frente ao público.
Ubiratan Machado: "Entre 1880 e 1883, a Lombaerts torna-se o centro da vida literária da cidade, local de reunião de Machado de Assis com seus amigos mais chegados. O mestre acha-se então aborrecido com a [livraria e editora] Garnier e arrasta a sua core para outras livrarias. Ao passeio no Rio de Janeiro, o poeta mineiro Belmiro Braga, frequenta a Lombaerts apenas para ver Machado folheando livros, despreocupado."
De acordo com Ferreira, Henrique Lombaerts era um impressor-litógrafo apaixonado por revistas de arte. “Imprimiu várias: em 1880 as efêmeras A Nova Semana Illustrada e Pena e Lapis [...] Galeria Contemporanea do Brasil, de agosto de 1884, A Vida Moderna saiu entre 1886 e 1887. Com outros processos gráficos seria entretanto muito mais feliz, publicando os magníficos A Estação [...] e O Album (1893-1895) [...] Lombaerts notabilizou-se também em outras atividades gráficas: sua oficina era muito procurada para a impressão de escritos científicos. Foi impressor de escritores famosos como Machado de Assis, Lucio de Mendonça, Artur Azevedo e Coelho Neto”.
Em 1884, a empresa ganha um novo sócio, Alexandre Lavignasse Filho, parente de Lombaerts.
O fotógrafo Marc Ferrez esteve associado a Henri Lombaerts em diversos projetos, chegando ambos a formar uma sociedade comercial para o lançamento de platinotipias na Galeria Contemporanea do Brazil: Litteraria, Artística, Scientífica, Política, Agricola, Industrial e Comercial e, mais tarde, em 1891, para a impressão de fototipias no jornal A Estação, assim como para a edição de postais e outras publicações ilustradas ao longo das décadas de 1880 e 1890. Ambos também estiveram próximos de Machado em muitas ocasiões.
A Galeria Contemporanea do Brasil, uma revista quinzenal, destina-se a publicar os retratos de homens notáveis do país, tanto nacional como estrangeiros. Em seu primeiro número (que é provável o único), publicado em 1884, a revista traz um retrato e uma biografia de Machado de Assis. O ingresso de Ferrez como editor da A Estação fiz parte de um projeto comercial mais amplo e ambicioso, para qual foi constituída, em março de 1891, a sociedade Lombaerts, Marc Ferrez e Cia, que incluía também Julio Machado Serpa, Alfredo Michel, H. Ulique Delforge e Augusto da Silva Telles, como sócios capitalistas. A sociedade teve vida curta, até julho de 1891, por diversas razões, entre elas o falecimento de Alfredo Michel e a não realização dos aportes combinados por os sócios.
Lombaerts executou muitos outros contratos de impressão, tanto para editoras como para autores. A Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro contem 207 registros no período 1873 – 1902, da Editora H. Lombaerts, dos quais a maioria, sendo 143, são livros.
H. Lombaerts era secretário da Associação Industrial criada para preparar a participação do Brasil na Exposição Universal de Paris em 1889. Outros membros da diretoria eram José Américo dos Santos, presidente, Alfredo Michel, vice-presidente, Henrique Ulique Delforce, tesoureiro, e Marc Ferrez.
J. B. Lombaerts era, em 1861, conselheiro da Sociedade Belga de Beneficência. Esta sociedade foi criada no dia 6 de maio de 1853. Em 1865, Lombaerts tornou-se vice-presidente e a partir 1872, presidente, função que exerceu até sua morte. Seu filho Henri Gustave Lombaerts, exerceu, a partir de 1876, a função de vice-presidente. No relatorio de 1890 consta que H. Lombaerts era presidente.
Relatório da Sociedade Belga de Beneficência, imprenso por Lombaerts em 1878 anunciado nos Anais da Biblioteca Nacional (RJ)
Quando Henri Lombaerts faleceu, em 1897, foi Machado quem lhe escreveu o obituário nas páginas d’A Estação (edição de 15 de julho de 1897). Retrato póstumo e emotivo, que parecia revelar não somente as qualidades do editor e amigo, mas aquelas que o antigo colaborador tomava também para si:
Durante muitos anos entretive com Henrique Lombaerts as mais amistosas relações. Era um homem bom, e bastava isso para fazer sentir a perda dele; mas era também um chefe cabal da casa herdada de seu pai e continuada por ele com tanto zelo e esforço. Posto que enfermo, nunca deixou de ser o mesmo homem de trabalho. Tinha amor ao estabelecimento que achou fundado, fez prosperar e transmitiu ao seu digno amigo e parente, atual chefe. A Estação e outras publicações acharam nele editor esclarecido e pontual. Era desinteressado, em prejuízo dos negócios a cuja frente esteve até o último dia útil da sua atividade. Não é demais dizer que foi um exemplo a vida deste homem, um exemplo especial, por que no esforço continuado e eficaz, ao trabalho de todos os dias e de todas as horas não juntou o ruído exterior. Relativamente expirou obscuro; o tempo que lhe sobrava da direção da casa era dado à esposa, e, quando perdeu a esposa, às suas recordações de viúvo.
Com a morte de Henrique, a livraria passa a ser administrada por Alexandre Lavignasse Filho. O novo proprietário rebatiza o estabelecimento com o seu nome, apesar de continuar se utilizando, em seu anúncios e etiqueta, do nome Lombaerts. Mas, como observo Ubiratan Machado sem a presença de Henrique a decadência vem rápida. Em 1904, a livraria entra em liquidação, sendo adquirida pela Livraria Francisco Alves
Lombaerts é um sobrenome bem comum na Bélgica. Encontramos – com o mesmo sobrenome - algumas editoras / impressoras na Bélgica, como, por exemplo, Drukkerij A. Lombaerts na cidade de Boom, P. Lombaerts em Schoten, e a mais conhecida, Imprimerie Th. Lombaerts em Bruxelas. Faltam informações sobre as relações familiares entre essas editoras / impressoras e Jean-Baptiste ou Henri Gustave Lombaerts que migraram para o Brasil.
PS. O Jean Baptiste Lombaerts mencionado nesse texto não pode ser confundido com o "huissier" (francês) "deurwaarder" (holandês) ou em livre tradução um oficial de justiça com o mesmo nome que atuava no mesmo tempo em Antuérpia. (veja Het Handelsblad - 15-11-1846 e 04-10-1848).
Texto e Pesquisa: Marc Storms
Fontes:
- História das livrarias Cariocas / Ubiratan Machado. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.
- O livro no Brasil: sua história / Laurence Hallewell. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.
- Books and periodicals in Brazil 1768-1930 a transatlantic perspective / Ana Cláudia Suriani da Silva; Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. London: Legenda Modern Humanities Research Association and Maney Publishing, 2014.
- A “CRIATURA” E O “ESPELHO”: o retrato de Machado de Assis por Marc Ferrez / Maria Inez Turazzi. 2014 - maio - ago. - n. 2 - v. 24 - A LETRIA p. 13-29.
- "Devíamos torná-lo nosso, e assim o fazemos": o suplemento literário d'A Estação / Bruna da Silva Nunes. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras 2021. - (Douturado).
- Imagem e letra: introdução à bibliologia brasileira: a imagem gravada / Orlando da Costa Ferreira. - 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994. (Texto & Arte, v. 10). p. 412.
- Emails com Steven Van Impe, Erfgoedbibliotheek Hendrik Conscience, Antwerpen.
- Marc Ferrez: Uma cronologia da vida e da obra / Ileana Pradilla Ceron. - São Paulo: IMS, 2019. (O nome de Lombaerts aparece nas páginas 36, 50, 58, 64, 82 e 89.)