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Goossens, Nestor Lucien (1913 - 1985)
Nestor Lucien Goossens nasceu em São Paulo em 2 de abril de 1913.
Seus pais, Joseph Edmond Goossens, natural de Molenbeek-Saint-Jean – Bruxelas e Cécile Cauwenbergh, natural de Evere – Bruxelas, logo após o casamento em 1912 mudaram-se para São Paulo, onde abriram uma loja de chapéus, na atual avenida São João, em seu início, próximo à esquina da rua São Bento.
Lucien nasceu logo após a chegada do casal ao Brasil. Como consideraram difícil criá-lo enquanto davam seus primeiros passos em um novo país, Joseph Edmond levou o pequeno para Molenbeek, poucos meses após o nascimento, para ser criado pelos avós, Jean Goossens e Catherine Herbos, além das duas tias Melanie e Jeanne Juliene. Jean tinha um açougue localizado na Chaussée d’Anvers, 6.
Nessa época houve a 1ª guerra mundial (1914-18), onde a Bélgica foi ocupada pela Alemanha. Não existe referência de como a família safou-se dessa terrível fase.
Em Bruxelas, Nestor Lucien foi criado em ambiente bilíngue, visto que a família falava flamengo, mas a educação era toda ministrada em francês. Toda a correspondência da família nessa época era escrita em francês, visto não haver uma língua flamenga oficial ensinada nas escolas.
Nessa época teve contato com um pintor, irmão de sua mãe, mas não é sabido se começou a pintar com esse que seria um possível professor.
Enquanto crescia, seus pais adquiriram um sítio em São Bernardo do Campo, no local onde muitos anos mais tarde foram construídos os estúdios da Vera Cruz e a Cidade da Criança. Nesse sítio, além da plantação de árvores frutíferas como peras, seus pais abriram também o restaurante Recreio Belga, que teve fama fugaz por ter sido palco de uma reunião secreta do PRP em 1933. Com 11 anos de idade, julgaram que Nestor Lucien tinha idade suficiente para ajudar no trabalho diário do sítio. Por esta razão, em 1924 sua mãe foi a Bruxelas buscá-lo para morar com os eles.
Nessa época fez o ensino fundamental no Brasil e aprendeu a língua portuguesa, enquanto ajudava os pais. Quando terminou esse ensino fundamental, seu pai permitiu que ele ingressasse no Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo, onde aprendeu pintura com Edmundo Migliaccio e José Barchitta, entre outros.
Quando completou dezoito anos, já podendo decidir seu destino, empregou-se como taifeiro (garçom da 3ª classe) em um navio que partia de Santos com direção à Europa. Tinha a ilusão de que poderia sobreviver como pintor em Paris. Mas a concorrência era muito grande e após pouco tempo teve que desistir desse intento. Em Bruxelas seus avós já não estavam vivos e a única tia ainda viva, Melanie, havia se casado com um agente funerário, Pierre Spruyt, não podendo mais lhe dar muita atenção.
Nessa altura o governo Belga o convoca para que servisse o exército. Com certeza seria enviado ao Congo, opção que não lhe agradava. Decide então voltar ao Brasil, pegando o mesmo navio de volta, pagando a passagem da mesma forma: como taifeiro.
Chegando ao Brasil foi convocado para o exército brasileiro, onde serviu durante cerca de 2 anos, tendo dado baixa como cabo da cavalaria.
Em sua primeira tentativa de empregar-se viu um anúncio procurando por um pintor, na rua São Bento, centro de São Paulo. Perguntaram se saberia pintar uma garrafa de vermute, o que ele confirmou ser muito simples. Perguntaram também se sabia pintar na balancinha, o que ele não sabia o que era, mas confirmou que sim. Aí o empregador mostrou que ele deveria pintar uma garrafa de vermute que ocuparia toda a parede lateral do Prédio Martinelli, primeiro grande edifício da cidade. Pediu licença para ir em casa trocar de roupa e nunca mais retornou.
Com as recomendações obtidas no exército, conseguiu emprego na Guarda Civil, corporação estadual que nos anos 60 tornou-se a Polícia Militar de São Paulo, onde permaneceu até o final da segunda guerra mundial. Conseguiu algumas promoções, mas como o salário era baixo, começou a trabalhar como vendedor de carvão durante a 2ª guerra mundial, como atividade paralela.
Em 1939 casou-se com Maria Armênia de Medeiros, com quem viria a ter os filhos Cecília, Luciano e Marcos. Maria Armênia era de uma família cearense, de Quixeramobim, que havia migrado para São Paulo em 1915. Seu irmão, seu tio e seu cunhado também pertenciam à Guarda Civil, tendo sido esta a razão que promoveu o encontro entre os dois.
Na época da guerra, devido à falta de gasolina, os carros eram movidos a gasogênio, ou seja, gás pobre obtido através do carvão vegetal. Pensou que conseguiria sobreviver do negócio após o fim da guerra, o que não aconteceu, já que a gasolina voltou aos postos em alguns meses.
No período seguinte, voltou a pintar. Na verdade, nunca parou, mas até então não havia conseguido fazê-lo profissionalmente. Expôs no 1º Salão de Belas Artes de Jacareí, obtendo o 1º prêmio, concedido por Cimbelino de Freitas, Juarez de Almada Fagundes e Inocêncio Borghese. Paralelamente trabalhava como seleiro, carreteiro e outras funções que ajudassem na sobrevivência. Ingressa também no Partido Comunista Brasileiro, em Jacareí, onde tornou-se secretário. Isto mais tarde lhe valeu uma ficha no DOPS, embora nunca tenha sido detido.
Em 1948 e 1949 realiza a primeira exposição individual, no saguão do Teatro Municipal de São Paulo. Recebe algumas boas críticas, mas é denegrido pelo pseudo-crítico stalinista Mário Schemberg, para quem ele não se atinha ao “realismo socialista”.
Passa a pintar para algumas galerias de arte de São Paulo, mas especializa-se também em pintar quadros mais populares, entregues a vendedores que percorriam cidades do interior. Entre as cidades visitadas por ele, São João da Boa Vista recebe muito bem o seu trabalho.
Nessa região dedica-se à arte sacra em igrejas de Aguaí, Águas da Prata, Pinhal e São João da Boa Vista, entre outras cidades. Muda-se com a família para esta última cidade, onde abre uma escola de pintura, onde um bom número de alunos dá os primeiros passos na arte.
Nessa época realiza exposições individuais em cidades como São José dos Campos, Casa Branca, Volta Redonda, Ubatuba, Vargem Grande, Poços de Caldas, Águas da Prata, São João da Boa Vista, Pinhal e São Lourenço. Mais tarde, já nos anos 70 realiza exposições individuais no Teatro Aquarius e Galeria Brancaleone.
No início da década de 60 retorna a São Paulo e passa a pintar exclusivamente para Galerias de Arte, como as Galerias André, Copélia e San Marco entre muitas outras. Nessa época torna-se comum o uso de pseudônimos, muitas vezes designados pelos próprios donos de galeria. J. Teixeira e Nelugo são alguns nomes usados nessa época. O primeiro era utilizado em quadros monocromáticos (branco e preto), o segundo em quadros mais populares, de baixo preço.
Em 1967, junta-se a Eugênio Soares, Cleusa Masiero, Moisés Fagundes, Quirino, Johannes Van Dartelen e outros pioneiros no movimento da Praça da República, onde os artistas passam a vender seus quadros diretamente ao público. Elimina-se os intermediários que normalmente ficavam com 30 a 90% do valor pago.
Rapidamente a Praça da República torna-se o maior polo de artistas plásticos do Brasil, atraindo turistas e amantes das artes do mundo inteiro. Inicialmente o movimento é reprimido pela prefeitura, mas passa a ser tolerado pelo prefeito Maluf e passa a ser oficial e incentivada durante os prefeitos seguintes, Figueiredo Ferraz, Miguel Colassuono e especialmente Olavo Setúbal.
Lucien torna-se o líder dos artistas, assumindo durante vários anos a presidência da Associação dos Artistas Plásticos da Praça da República. Quando falece, em dezembro de 1985 ainda era o presidente honorário daquela associação.
Entre os prêmios obtidos durante sua carreira, destacam-se entre outros:
- Salão da Associação Paulista de Belas Artes:
- 1965 – Prêmio Heráclito de Carvalho;
- 1967 – Prêmio Valentin Amaral;
- 1972 – Pequena Medalha de Bronze;
- 1973 – Grande Medalha de Bronze
- Salão Paulista de Belas Artes: Prêmio aquisição em 1964 e 1967
- II Salão da Paisagem Paulista: Medalha de Bronze em 1970
- I Salão de Santana de Parnaíba: Medalha de Prata em 1970
- Prefeitura de Ponta Grossa: Honra ao Mérito em 1970.
- Salão da Associação dos Artistas Plásticos de São Paulo: Grande Medalha de Ouro em 1979.
Participou também das edições “Salão Livre – Associação Paulista de Belas Artes” 31, 32, 33 e 34 (1973-1976), 8° Salão de Arte de São Bernardo do Campo em 1965, 1°, 2° e 3° Salão da Paisagem Paulista (1969-1971), 27°, 36°, 37°, 40° e 44° Salão Paulista de Belas Artes (1962, 1971, 1972, 1976, 1980) e do Salão dos Trinta Anos – Associação Paulista de Belas Artes (1972).
Por sua influência seus filhos Marcos e Cecilia tornaram-se alunos e também pintores, com os nomes de M. Medeiros e Scila, respectivamente. Marcos encerrou a carreira como pintor em 1981, dedicando-se apenas à engenharia de minas a partir de então. Seu genro, Peloggia (Pedro Peloggia Filho) também aprendeu pintura e viveu dela durante mais de 3 décadas. Todos os netos, filhos de Cecilia também pintaram, com destaque para Alex Peloggia (Alex Ubiratan Goossens Peloggia), também geólogo, geógrafo, psicanalista e escritor.
Texto de Marcos Goossens, 11 de junho de 2019