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Lampiões belgas no Brasil

Hoje em dia, é muito fácil, basta ligar o interruptor e a luz acende. As lâmpadas de rua também se ativam automaticamente ao anoitecer. No entanto, há uma condição importante para que isso aconteça: deve haver eletricidade e não pode haver apagões. Mas, no passado, como eram a iluminação pública e a doméstica antes da chegada da eletricidade? Muitas pessoas ainda se recordam de país e avós cantando a música “Lampião de Gás” na voz de Inezita Barroso. Mas sabem que também houve lampião belga a querosene no Brasil?

Uma notícia no Almanach da Província de São Paulo: Administrativo, Comercial e Industrial para 1888 nos dá uma pista e desperta a curiosidade. Na página 510, é mencionado que a “iluminação pública é feita a lampiões belgas” na cidade de Mogi Mirim. Mais adiante, na página 574, lemos: “Temos iluminação pública pelo sistema belga” na Vila Rio Verde, ambas situadas na província de São Paulo.

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Mas como esses lampiões chegaram ao Brasil?
 

A produção na Bélgica

detalhe La lampe belgeA Bélgica destacou-se na produção de lampiões devido à sua avançada indústria de metalurgia e fundição no século XIX. Esses lampiões, fabricados em ferro fundido, eram reconhecidos por sua funcionalidade e beleza artística, com designs que seguiam estilos arquitetônicos como o neogótico, a art nouveau e o clássico.

O maior e mais bem-sucedido fabricante belga foi a empresa Les Établissements Lempereur & Bernard, fundada em 1868 por Joseph Lempereur e Lambert Bernard, na cidade de  Herstal, próximo a Liège. Em 1883, a empresa registrou uma lâmpada a óleo chamada “Lâmpada Belga”, que se tornou um sucesso de vendas. Empresas alemãs, inglesas e norte americanas adquiriram os direitos de uso de suas patentes. Apesar da sua prosperidade, a fábrica encerrou suas atividades durante a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), sendo posteriormente convertida em uma fundição de cobre.
 

A venda no Brasil

É bem provável que brasileiros visitando a Bélgica, para estudar ou fazer negócios, tenham  conhecido os lampiões belgas, e se interessaram por eles. As primeiras referências encontradas sobre a aquisição de lampiões belgas no Brasil aparecem no final do século dezenove.

Propaganda Ao CaçadorEm 1888, a loja Ao Caçador, na cidade de São Paulo, pertencente à empresa Gaspar & Comp., localizada na Rua da Imperatriz, anunciou no Almanach da Província de São Paulo: Administrativo, Comercial e Industrial para 1888 a venda de lampiões belgas.
No Rio de Janeiro, o armazém Au Grand Chic, especializado em louças, porcelanas, cristais e vidros, de Antônio Vianna & Comp., divulgou no Almanak Laemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial de 1899 que vendia lampiões belgas. Anos depois, em 1910, a Casa Crystal Wendler, Schneider & Cia. anunciou a importação direta da Europa desses lampiões. Em 1930, a empresa Manheim & Meyer, com sede no Rio de Janeiro e matriz em Paris, destacou-se como representante da renomada cristaleira belga Cristalleries du Val St. Lambert, além da importação de lampiões belgas.

Iluminação pública com lampiões belgas

Pesquisas revelam que várias cidades nos estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo utilizaram lampiões belgas. Em Porto Ferreira (SP), por exemplo, relatos indicam que 32 ou 38 lampiões belgas a querosene, instalados em postes, iluminavam suas principais esquinas. A cidade de Itapira (SP), em 1881, adquiriu 20 lampiões belgas para iluminar suas principais ruas. Em Cachoeiro (ES), a iluminação pública com lampiões belgas começou em janeiro de 1887, contando com 24 unidades administradas pela municipalidade. No entanto, esse sistema, com o tempo, se tornou precário, deixando a cidade às escuras, exceto nas noites de lua cheia, até a chegada da eletricidade em 1903.
Ilhéus (BA) inaugurou, em 1888, a iluminação pública com 40 lampiões belgas a querosene, instalados sobre colunas de ferro. Em Vitória (ES), o primeiro sistema de iluminação pública foi implementado em 1847, usando azeite de peixe e mamona. Posteriormente, em 1879, foi implantado um sistema de iluminação a gás, substituindo o querosene. No entanto, em 1893, devido à interrupção no fornecimento de gás, 150 lampiões belgas a querosene foram reinstalados.
Com a resolução Nº 133, de 22 de janeiro de 1898, a Câmara de São João del Rei (MG) aceitava a proposta para a iluminação da cidade à razão de Rs 7$000, ou sete mil réis, o lampião belga e Rs 5$000 o comum, por mês.
Em Pouso Alegre (MG), o Almanack do Município de 1900 informa que a cidade, com 2.600 habitantes, possuía 499 casas e um sistema de iluminação a petróleo com  lampiões belgas abrigados em caixas de vidro sobre postes de madeira.
Em Pindamonhangaba (SP), há um curioso episódio relatado por Enéas Athanázio na Revista Correio do Norte (13/01/1973). Um dia o escritor Monteiro Lobato recebeu de seu amigo, o advogado e editor de jornal, Benjamin Pinheiro, a encomenda para escrever um artigo sobre o seguinte: “Pindamonhangaba está às escuras. A Câmara quer iluminação a gás, nós queremos lampiões belgas. Meta o pau no álcool e defenda o lampião belga”. O artigo era urgente e, como Lobato não podia escrevê-lo, confiou-o a outro. Uma vez publicado, o artigo “Às escuras” foi lido no plenário de câmara, adotando, por unanimidade, os lampiões belgas.

Uso doméstico dos lampiões belgas

Além da iluminação pública, os lampiões belgas foram utilizados dentro das casas. O escritor Jones dos Santos, em 1964, descreveu: “Serões de família... à luz brilhante de vistosos lampiões belgas legítimos, dos quais me recordo com saudade, hoje, nas trevas do racionamento elétrico de Vitória.”
Já em Crônicas de Paraty, Zezito Freire escreveu: “Nas casas, a iluminação era feita a lampiões... os famosos lampiões belgas, de mesa ou de pendurar, alguns mais sofisticados, com suas bacias refletoras que distribuíam a luz por todo o ambiente.”
A popularização do uso de eletricidade no Brasil, a partir do fim do século dezenove, pode ter iniciado o declínio do uso dos lampiões belgas e, atualmente, eles são testemunhos de uma outra época.

A fim de ampliarmos essa pesquisa inicial, existem mais dados nas suas cidades sobre o uso dos lampiões belgas? Ou em outras cidades? Existem peças nos museus históricos locais ou nos antiquários? As informações são importantes para ampliarmos essa breve história que, mais uma vez, uniu o Brasil à Bélgica. Aguardamos!

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