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A tentativa de fundação de uma colônia agrícola belga no litoral sul de São Paulo
Em fins de 1918, com o fim da Primeira Guerra Mundial, a Bélgica enfrentava grandes dificuldades econômicas, especialmente entre a agricultura familiar. Em busca de novas oportunidades, Jorge Librée — também referido em documentos como Libbricht ou Lebricht — idealizou a emigração de famílias belgas para o Brasil.
O primeiro passo foi dado por Paulo Burlandy, amigo de infância de Librée, que chegou a São Paulo para adquirir terras destinadas à instalação dos compatriotas. Em 31 de julho de 1919, o jornal O Diário da Manhã registrou a atividade da firma "Renard, Lebricht & Burlandy" no expediente da Secretaria Geral do Estado, sinalizando os primeiros movimentos do projeto.
Em setembro daquele mesmo ano, A Gazeta do Povo noticiou que um grupo de famílias belgas pretendia se estabelecer em São Paulo. As exigências eram claras: terras férteis com acesso a água, proximidade de vias de transporte e possibilidade de trabalho autônomo. Caso não encontrassem condições ideais, cogitavam migrar para o Estado do Rio Grande do Sul.
Por intermédio do padre trapista belga Moreau, Burlandy conseguiu negociar um terreno próximo à cidade de Cananéia, a quatro horas de canoa da cidade, como informou o Correio Paulistano em 1922. A chegada dos primeiros imigrantes foi registrada na Hospedaria de Imigrantes do Estado de São Paulo: em 15 de dezembro de 1919, 91 belgas desembarcaram no porto de Santos, vindos no vapor Provence. Entre eles, estavam familiares diretos de Burlandy, como sua esposa Josephine, seus filhos, e seu irmão Jean Baptiste.
Os registros apontam que 53 desses imigrantes seriam destinados à Companhia Agrícola Fazenda São Martinho, em Ribeirão Preto, enquanto 35 seguiriam para Cananéia. No entanto, o número de colonos destinados à Cananéia diverge do divulgado pelo Correio Paulistano em 21 de dezembro de 1919, que falava em 103 pessoas. A própria correspondência de Burlandy à Secretaria da Agricultura da época, publicada em novembro de 1919, previa a chegada de apenas 60 pessoas. Mas há também dúvidas sobre os destinos mencionados no registro da Hospedaria. É bem estranho o destino da fazenda Martinho Prado para a família de Jean Baptiste Burlandy, sendo que seu irmão, Paul Burlandy, era o responsável para a criação de uma colônia em Cananéia.
Na carta ao diretor do Serviço de Povoamento, publicada na Gazeta do Povo de 10 de novembro de 1919, Burlandy escreveu “Acabando de ser aviso da próxima chegada de um grupo de 20 a 25 famílias, sejam cerca de 60 pessoas”.
Provavelmente nunca saberemos quantos belgas migraram para Cananeia. O fato é que a Colônia em Cananéia não teve vida longa.
O jornal Correio Paulistano de 23 de agosto de 1922 relatou que Alojados na Hospedaria, um grupo se julgava iludido por Burlandy, que os queria encaminhar para lugares insalubres sem conforto. Apenas umas 10 famílias partiram para Cananéia, acrescendo: Uma vez ali, Burlandy foi acusado por todas as privações por que passaram e ainda de as ter defraudado. As famílias e o próprio Librée abandonaram o local.
Esta informação é confirmada por Pedro Meulenyzer no seu pedido de restituição, ao escrever que a companhia foi dissolvida logo no início “da nossa chegada aqui” e por Jean Henri Tomberg “Após a separação completa da colônia belga, deixei Cananéia com minha família e desde 20 de fevereiro [1920], assumi o lugar do Sr. Libbrecht que havia retornado à Europa, para a exploração da fazenda St. Luiz do Sr. Luiz Gonzaga Muniz em Iguape.”
Assim, a tentativa belga de criar uma nova comunidade agrícola no litoral paulista entrou para a história como um projeto ambicioso que sucumbiu diante das adversidades.