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A visita do rei Albert I e da rainha Elisabeth da Bélgica em Belo Horizonte em 1920
Quem passa pela charmosa Praça da Liberdade (Belo Horizonte, Minas Gerais) nem imagina que o lugar passou por uma grande transformação no início do século XX. As formas arredondadas, desenhadas pelo paisagista Paul Villon, de estilo inglês, e que surgiram junto com a capital, foram alteradas pelo atual formato geométrico e retilíneo, da arquitetura francesa. O resultado deu ares parisienses, inspirados nos emblemáticos jardins de Versalhes, em Paris.
O motivo da mudança foi nobre. Em 1920, os reis belgas Elizabeth e Alberto I estavam a caminho da cidade e o desejo do então presidente do estado de Minas Gerais, Arthur Bernardes, era de que os monarcas se sentissem em casa, já que na Bélgica, a influência francesa sempre foi muito forte. Sua ordem, então, foi alterar tudo.
A vinda da realeza foi um grande acontecimento no país, já que era a primeira vez que o Brasil, como república, recebia representantes de uma monarquia europeia. No dia 2 de outubro de 1920, acompanhados do presidente da república Epitácio Pessoa, os reis belgas desembarcaram na Praça da Estação, em BH, em vagões fabricados especialmente para os ilustres turistas. Muitos belo-horizontinos foram à estação de trem ver de perto e, pela primeira vez, representantes de uma realeza.
De lá, o casal real seguiu em carruagem para o Palácio da Liberdade, também minuciosamente adaptado para agradar aos reis. O imóvel, símbolo máximo do poder mineiro, ganhou mobília no estilo Luis XV, que ainda pode ser apreciada no salão nobre do prédio histórico. O quarto do governador, porém, foi o cômodo que recebeu mudanças mais significativas. "O quarto era bem mais simples. Do Rio de Janeiro, vieram artigos no estilo Luis XVI e com detalhes em rococó, folheados à ouro", conta Bruno Mitre, curador do Palácio da Liberdade, que é aberto à visitação pública aos sábados, domingos e feriados.
O presidente do estado, Arthur Bernardes, como bom anfitrião, cedeu o quarto do palácio para o rei e a rainha belga. No entanto, ele não ficou muito longe dos monarcas, já que se hospedou no Solar Narbona, oferecido pela família detentora do imóvel – e que dá nome a ele –, que fica bem ao lado, na avenida Cristóvão Colombo.
Em agradecimento à boa recepção que tiveram, os reis presentearam o político mineiro com um casal de cisnes negros. Essa atitude agradou ao presidente do estado, e se tornou uma tradição, já que os governadores que o sucederam mantiveram a presença dessa espécie de ave no lago, nos fundos do palácio, até hoje.
Foram apenas dois dias de estadia, contudo, os monarcas gostaram da recepção. A rainha Elizabeth adotou uma pequena sala no segundo andar do palácio, onde gostava de saborear seu chá. Essa atitude levou o governo do estado a batizar o espaço como Sala da Rainha. A professora de filosofia da PUC-Minas, Maria de Lourdes Gouveia, autora do livro O Palácio como Símbolo da Cidade – A Matéria da Memória, de 2009, conhece cada pedaço do imóvel mais representativo do governo mineiro, e reconhece a influência e a importância da visita real para o lugar: "A mobília foi trocada pelo estilo francês, pois esse era o modelo vigente no imaginário belga".
A presença de reis na cidade aguçou a curiosidade de muita gente. O poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, ainda com 17 anos, escreveu os versos intitulados A Visita do Rei: "Vejo o rei passar na avenida Afonso Pena/onde só passam dia e noite, mês a mês e ano, burocratas, estudantes, pés-rapados/Primeiro rei entre renques de fícus e aplausos,/primeiro rei (verei outros?) na minha vida./Não tem coroa de rei, barbas formidáveis/de rei, armadura de rei, resplandescente ao sol da Serra do Curral./É um senhor alto, formal, de meia-idade,/metido em uniforme belga,/ao lado de outro senhor de pince-nez,/que conheço de retrato: o presidente do estado/Não vem na carruagem de ouro e rubis das estampas./Vem no carro da Daumont de dois cocheiros/e quatro cavalinhos mineiros bem tratados".
O menu servido para os reis belgas no belo salão do banquete no Palácio da Liberdade tinha opções como consommé de creme de bruxelles (creme de couve de bruxelas), médaillons de turbot a l’ostensdaise (peixe), noisettes de pauillac a l’écossaise (batatas), saladas, chá, café e vinhos.
A visita dos reis belgas não tinha o propósito apenas de conhecer a novíssima capital mineira. A ideia era estreitar a relação econômica com o país europeu. Tanto que, no ano seguinte, foi fundada em Sabará a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, hoje, Arcelor Mittal.
Fonte: Rafael Campos - Redação Publicação: 30/05/2014
Foto: p. 81 do livro "Visita da família real belga ao Brasil, 1920. - São Paulo: FAAP, 2010."