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Cáceres: tentativa de montar uma colônia belga
Em 1882, a fazenda Descalvados, no município de Cáceres no Estado de Mato Grosso, fronteira com a Bolívia, foi vendida a um imigrante conhecido como Jayme Cibils Buchareo, que conduzia uma fábrica de extrato de carne no Uruguai. Registros apontam que em determinado momento era possível contar 200 mil cabeças de gado ali. Desta quantidade, 20 a 30 mil chegavam a ser abatidos anualmente e transformados em extrato de carne, caldo e conservas para serem exportadas via fluvial à Europa, especialmente para Bélgica. A localização de Descalvados facilitava o transporte fluvial e exportação dos produtos. Diversos navios saiam da fazenda e percorriam milhares de quilômetros dentro do rio Paraguai, com destino à Europa.
O empreendimento de Descalvados foi vendido em uma viagem de Jaime Cibils Buxareo à Bélgica, realizada no início de 1895. A Compagnie des Produits Cibils, sediada na Antuérpia (Bélgica), por 1.147:250$000 réis a fábrica e por 90:000$000 réis 208 lotes de terra. O maior acionista era Jaime Cibils quem possuiu 96 % do total de votos na assembléia geral da nova companhia.
Assim que concluiu as negociações para a formação da companhia na Bélgica, em fevereiro de 1895, Jaime Cibils Buxareo retornou ao Brasil, junto com uma equipe de administradores tendo à frente o belga François Joseph Van Dionant. A Compagnie des Produits Cibils foi autorizada a funcionar no Brasil por decreto presidencial, publicado em 18 de abril de 1895.
A partir de 1895 Descalvados tornou-se o primeiro empreendimento belga no oeste. No entanto, apesar de suas dimensões, era um empreendimento isolado e sua compra pelos belgas não foi acompanhada, naquele momento, de outros empreendimentos semelhantes. Parecia sinalizar uma operação estritamente econômica que deveria ter um tempo para maturar e permitir a remuneração do capital investido em sua aquisição. Entre 1895 e 1897 esse empreendimento permitiu um rendimento razoável aos seus sócios na Europa, que receberam dividendos e bonificações. A partir de 1897, no entanto, a situação começou a mudar rapidamente, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos, indicando o início de uma nova estratégia.
Em 1897 a legação da Bélgica no Rio de Janeiro solicitou ao governo brasileiro a instalação de um consulado daquele país em Descalvados. A solicitação foi negada, mas foi autorizada a instalação de um vice-consulado em Descalvados e seu administrador, o belga François Van Dionant, foi alçado à condição de vice-cônsul.
A situação de constante instabilidade política em Mato Grosso, palco de sucessivas lutas que envolviam as diferentes frações da oligarquia local, pode ter instigado os belgas a pensar nas possibilidades que poderiam ser abertas por aquelas lutas, inclusive a de um pedido de intervenção. Nesse caso, a presença de um consulado e de um belga naturalizado que pudesse intervir nas disputas políticas locais ajudaria muito, ganhando legitimidade para atuar como pacificador. Por volta de 1898 os belgas já dispunham de um destacamento armado, atuando contra ladrões de gado em Descalvados.
Entre 1898 e 1903 os belgas iniciaram novas operações no oeste do Brasil, ampliando rapidamente sua presença na região. No momento em que Descalvados é alçado à condição de vice-consulado, se inicia na Europa um movimento de capitalistas belgas com a constituição de diversas companhias por ações, entre elas a Compagnie des Caoutchoucs du Matto Grosso, fundada em Antuérpia em 26 de novembro de 1898 e o Syndicate de la Banque Africaine, que tinham como fim a operação na fronteira oeste do Brasil e na Amazônia.
No total compraram na região, onde hoje estão os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, cerca de 5 a 8 milhões de hectares de terras ou 80 mil quilômetros quadrados. Para Domingos Sávio, professor do Departamento de História da Universidade do Estado de Mato Grosso, autor do livro “Os Belgas na Fronteira Oeste do Brasil”, a aquisição dessas terras mais a oeste da fronteira brasileira são indícios da intenção colonizadora dos belgas no Brasil. O projeto da Bélgica acabou sendo abandonado em decorrência da solução para o impasse da anexação do território do Acre ao Brasil que era alvo de disputas entre seringueiros brasileiros que residiam em território boliviano que trabalhavam para grupos norte-americanos. O professor afirma que com a resolução da questão acreana em 1903 os belgas começaram a se desmobilizar.
Ruínas de uma fábrica com equipamentos enferrujados e de origem belga
Foto: Rodinei Crescêncio
Em 1912, a fábrica passou para as mãos da Brazil Land, Cattle and Packing Company, empresa do investidor norte-americano Percival Farquhar. Após sucessivas crises financeiras e polêmicas disputas, em 1940, o empresário teve suas empresas nacionalizadas pelo governo de Getúlio Vargas e a fábrica foi definitivamente paralisada. Desde 1952, o local é de propriedade de Luís Antônio Lacerda.
Fontes:
- Território e negócios na "Era dos Impérios" : os belgas na fronteira oeste do Brasil / Domingos Sávio da Cunha Garcia. - Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.
- https://politica.estadao.com.br/...
- https://www.rdnews.com.br/...