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A siderurgia na Bélgica no século XIX
O mundo industrial belga foi, no início do século XIX, não muito diferente dos outros países da Europa Ocidental. A única exceção era a Grã - Bretanha, berço da Revolução Industrial, onde a indústria floresceu em abundância. No entanto, a Revolução Industrial foi gradualmente introduzida no continente e o primeiro país em que isso aconteceu foi a Bélgica.
O grande desafio da indústria belga no começo do século XIX era a falta de energia adequada para os fornos industriais. Por muitos processos siderúrgicos, o carvão não servia pelo seu aquecimento e, interagindo com o ferro, deixava um produto de qualidade inferior. O carvão vegetal era mais e mais caro com o desmatamento crescendo. A alternativa foi o uso de coques, introduzido na Bélgica graças ao inglês William Cockerill e seu filho John.
Com a mudança de carvão vegetal para coques, a paisagem industrial da Bélgica mudou radicalmente. A produção mudou da região dos Ardennes, aonde estava estabelecida desde a época dos romanos, para a região de Charleroi e Liège. Esta mudança e a construção de fábricas de coques precisou de uma enorme quantidade de capital. A este respeito, uma nova fórmula foi inventada, a fórmula das empresas anônimas (Société Anonyme). Também os bancos mistos, aqueles que emprestam crédito de longo prazo para a indústria, contribuíram.
O resultado foi uma concentração de produtores de ferro como consta no relatório do secretario da Comissão Brasileira, Julio Constancio de Villeneuve, que visitou a exposição universal de 1867 em Paris e fiz uma descrição detalhada da situação em relação às minas de carvão e ferro na Bélgica e à atividade siderúrgica belga no período 1845 - 1864 [1].
Ele afirmava no seu relatório: “Na Bélgica os minérios de ferro e o carvão de pedra existem em grande abundancia e alimentam as usinas situadas no sul do país. As condições são menos favoráveis como na Inglaterra, porém a extensa rede de canais e estradas de ferro, atenua estes obstáculos. Assim, a indústria siderúrgica atingiu na Bélgica um grão de prosperidade admirável. Com os próprios recursos metálicos, a Bélgica fabrica todas as espécies de ferro necessárias à sua indústria, exceto o aço que é importado da Suécia.
A maior parte do ferro em gusa produzido pelos fornos altos na Bélgica é consumida no país, como matéria prima das fundições e das fabricas de ferro. Esta matéria não constitui mais, como outrora, um artigo de grande exportação, depois que as despesas dos transportes e os direitos d’alfândega a sobrecarregarão a ponto de pôl-a fora da concorrência além das fronteiras. Por exemplo, o Zollverein [2] impediu quase a importação na Alemanha do ferro fundido belga pelo aumento dos direitos de entrada, que foram elevados ao dobro.“
As informações de Julio Constancio de Villeneuve são confirmadas e acrescentadas pelo capítulo “A indústria na Bélgica” (1830- 1914) da tese de Karel Eeckhout [3].
A exportação de produtos da indústria belga de siderurgia cresceu oito vezes no período 1850 - 1873 para uma exportação total de 200.000 toneladas em 1873. Depois deste período de prosperidade, devido ao esgotamento das minas de ferro no país, era necessário importar minério de ferro o que fez a produção mais cara. Este fato, junto com a difícil transição do ferro ao aço, causou uma crise nos anos 1874-1895. As capacidades do ferro foram utilizadas até o limite na década de 1860 e 1870 e faltavam tecnologias adequadas para produzir aço. Não foi até meados da década de 1890 no momento que o processo Thomas-Gilchrist [4] em larga escala poderia ser aplicada na indústria que a siderúrgica belga reconectou-se com os seus concorrentes.
As exportações de produtos do setor siderurgia belga continuaram a subir, como também as importações de ferro fundido, minério de ferro e carvão. O custo destas importações pesava cada vez mais fortemente, o que felizmente foi compensado pelo valor das exportações. O fato de que as indústrias tradicionais conseguiram sobreviver, mesmo com um esgotamento de matérias-primas nacionais e um aumento da concorrência no mercado europeu, foi devido principalmente a uma nova abordagem para o comércio exterior.
Novos mercados foram desenvolvidos pelas maiores empresas e grupos financeiros, através do estabelecimento de subsidiárias e investimentos no exterior. Estas foram muito bem sucedidas na conquista de novos mercados. Na Rússia, China e Egito, empresas belgas desempenharam um papel importante na construção de ferrovias e bondes. Devido à crescente demanda por novas instalações de produção e novos mercados, o setor entrou em um novo movimento de concentração que levou a conglomerados internacionais organizados.
A isto deve ser acrescentado que, devido ao tamanho pequeno da Bélgica e à densidade grande da sua rede ferroviária já construída no fim do século XIX, inclusive com estações, pontes e viadutos, era necessário buscar e conquistar novos mercados, o que foi facilitado justamente por causa da sua grande experiência.
Uma pesquisa das estatísticas de “Comércio do Porto de Santos com os Países Extrangeiros” [5] de alguns anos no começo do século XX e logo depois do fim da primeira guerra mundial (1914-1918), revela também a importância da exportação da siderurgia belga para o Brasil, especialmente em relação ao material ferroviário.
Estatística de Comércio do Porto de Santos com os Países Extrangeiros |
||||||
1904 |
1905 |
1921 |
1922 |
1927 |
1928 |
|
qt em kilo |
||||||
Materias primas e artigos com aplicação ás artes e indústria |
||||||
Aço em barra e vergalhões |
||||||
total |
7.599.341 |
6.695.914 |
1.854.705 |
1.268.728 |
2.018.170 |
2.238.357 |
Bélgica |
187.898 |
17.753 |
157.838 |
131.050 |
247.468 |
139.059 |
Bélgica % do total |
2% |
0% |
9% |
10% |
12% |
6% |
Ferro em barra e verguinhas, chapas simples |
||||||
total |
5.334.201 |
4.361.757 |
9.045.005 |
5.465.192 |
26.608.920 |
22.550.070 |
Bélgica |
3.488.748 |
2.355.010 |
2.427.373 |
1.199.889 |
15.038.679 |
11.793.727 |
Bélgica % do total |
65% |
54% |
27% |
22% |
57% |
52% |
Ferro fundido |
||||||
total |
1.721.201 |
1.849.758 |
409.794 |
1.609.847 |
||
Bélgica |
0 |
0 |
10.160 |
591.220 |
||
Bélgica % do total |
0% |
0% |
2% |
37% |
|
|
Ferro pudlado |
||||||
total |
981.3791 |
41.010 |
||||
Bélgica |
561.1530 |
|||||
Bélgica % do total |
57% |
|||||
|
||||||
Artigos manufacturados |
||||||
Carros para estradas de ferro |
||||||
total |
108.855 |
2.534.485 |
4.276.802 |
7.685.040 |
2.307.714 |
|
Bélgica |
65.209 |
69.140 |
3.787.198 |
3.849.524 |
341.288 |
|
Bélgica % do total |
60% |
3% |
89% |
50% |
15% |
|
Trilhos e accessórios para estradas de ferro |
||||||
total |
10.146.599 |
17.247.597 |
||||
Bélgica |
5.689.468 |
14.416.773 |
||||
Bélgica % do total |
56% |
84% |
Pesquisa e texto: Marc Storms, outubro 2015
[1] Relatório sobre a exposição universal de 1867: Redigido pelo secretario da Commissão Brazileira Julio Constancio de Villeneuve e apresentado a Sua Majestade o Imperador pelo presidente da mesma commissão Marcos Antonio de Araujo, Volume 2 (Paris, 1868) - disponível no Google Books
[2] A união das alfândegas dos estados alemães
[3] Baseado no capitulo 3 de “Mens en machine: Een onderzoek naar de Oost-Vlaamse machinebouw (1870-1914) / Karel Eeckhout. – Gent: Universiteit, 2004. Scriptie voorgelegd aan de Faculteit Letteren en Wijsbegeerte, voor het behalen van de graad van Licentiaat in de Geschiedenis.” disponível em http://www.ethesis.net/machinebouw/...
[4] Em 1879, Sidney Gilchrist Thomas e Percy Lyle Gilchrist, descobriram um processo para remover o elemento fósforo do ferro fundido.
[5] Os livros de “Estatística de Comércio do Porto de Santos” encontram-se na Biblioteca Mario de Andrade (São Paulo).