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184 emigrantes belgas a bordo do vapor Kronprinz Friedrich Wilhelm em 1888 com destino ao Rio de Janeiro
Esta pesquisa iniciou-se, em 28 de maio de 2024, fruto de uma consulta sobre cidadania entre uma pessoa que mora em Itapema, SC e Daniel Hostins, sócio da Associação Ilha Belga. Daniel é um grande pesquisador genealógico sobre os descendentes belgas no Vale do Itajaí, SC. Ela é descendente do belga Joannes De Backer que imigrou, segunda suas informações, para a Colônia Blumenau, SC, em 1889, com 7 filhos. Como Marc Storms, também pesquisador, entre outros temas das relações entre a Bélgica e o Brasil, sobre a imigração belga ao país, Daniel compartilhou o acontecimento e, juntos, começamos a pesquisar e organizar as informações. Logo percebemos que a família De Backer migrou com muitos outros belgas ao Brasil.
No dia 24 de dezembro de 1888 chegou, no porto do Rio de Janeiro, o vapor Kronprinz Friedrich Wilhelm. O barco saiu de Hamburgo (Alemanha), parou nos portos de Bremen (Alemanha), Antuérpia (Bélgica), Teixeira e na Ilha de São Miguel (Açores). No Brasil, desembarcou provavelmente em Salvador, na Bahia, e depois do Rio de Janeiro, em Santos, SP.
A lista de bordo encontra-se no Arquivo Nacional no Rio de Janeiro (BR RJANRIO OL.0.RPV, PRJ.3750) e consta que, no traslado, não houve mortos. Na verdade, são duas listas. Em uma delas está anotada “Emigranten” e possui 463 nomes divididos em 3 partes: From Antwerp to Minas Gerais com 182; From São Miguel to Minas Gerais com 79 e From São Miguel to Rio de Janeiro com 202. A outra lista contém 391 nomes dos quais alguns são riscados, que ainda não sabemos a razão. Por exemplo, das três pessoas que embarcaram em Antwerpen, os nomes de Adolf Loontjes de 28 anos e Desiré Cannie de 53 anos estão legíveis e um outro foi riscado.
As listas proporcionam as seguintes informações: No (número), Pass, Names (nome e sobrenome), Age (idade), Profession (profissão) e Baggage (número de malas). Não há detalhes quanto à nacionalidade dos passageiros.
Segundo os jornais belgas Vooruit e La Meuse de 1 de dezembro de 1888, havia 186 migrantes belgas no vapor. Alguns eram de Antuérpia e arredores como das localidades de Borgerhout, Oorderen, Kalmthout, Ekeren, Wilmarsdonk, Stabroek, Putte, Oostmalle. Outros da cidade de Kessel-Lo, Gent/ Flandres Oriental e da região Vâlonia. A maioria era de camponeses e camponesas. A notícia menciona que o barco saiu no dia 30 de novembro de 1888 do porto de Antuérpia e o nome do capitão era Miecke.
O traslado com vapor era relativamente rápido, demorando menos que um mês. O barco, um brigue com velas, no qual chegaram, em 1844, os colonos belgas com destino à Ilhota (SC), precisou de 67 dias para fazer o traslado entre os portos de Oostende, na Bélgica, e o Rio de Janeiro.
O Jornal do Commercio (RJ) (Ano 1888\Edição 00363) menciona um número de migrantes belgas mais alto: cerca de 200.
Há dúvidas em relação à menção nos jornais belgas sobre o total de 186 emigrantes belgas. Poderia ser que, dos 184 nomes mencionados como embarcados em Antuérpia, nem todos fossem de nacionalidade belga. E poderia ser também que, alguns belgas embarcaram em outro porto que não Antuérpia. Mas duvidamos que tenha havido cerca de 200 como mencionou o jornal brasileiro.
O vapor voltou para a Lisboa, Antuérpia e Bremen no dia 10 de janeiro de 1889 com escalas pelo Rio e Bahia informou o Correio Paulistano de 30.12.1888.
O Jornal do Commercio mencionou que os imigrantes foram recebidos na Ilha das Flores.
A proibição do tráfico de escravos em 1850 e o desenvolvimento das lavouras de café que necessitava de mão de obra, somada à preocupação de povoar as grandes regiões no sul do Brasil para resguardar fronteiras, fizeram que fossem criadas no Brasil durante o século 19, grosso modo, dois sistemas de migração. O chamado de parceira, onde os imigrantes eram contratados pelos proprietários das fazendas de café que arcavam com a passagem de navio, o deslocamento do porto até a fazenda e a hospedagem. Deste modo, os imigrantes chegavam ao destino endividados e sem poder obter a sonhada propriedade da terra. Eles não podiam abandonar a fazenda enquanto não pagassem o que deviam. Já no sul do Brasil foi aplicado o sistema de colonato. A vinda de imigrantes era assumida pelos governos provinciais. Assim, o imigrante não vinha endividado e recebia uma remuneração mensal ou anual, podia plantar alimentos para sua subsistência e estava livre para deixar a propriedade.
Em 1876, o Ministério da Agricultura promoveu a reestruturação dos departamentos dedicados à imigração, colonização e gestão das terras públicas, com a criação da Inspetoria Geral de Terras e Colonização. Cabia-lhe “desde o transporte marítimo e por terra até a alimentação, socorros médicos, e o mais que se fazia mister ao recebimento e agasalho de milhares de imigrantes, tudo foi prevenido com boa ordem, economia e a contento dos internados”, menciona o historiador Luís Reznik. Em 1883, para administrar o grande fluxo de imigrantes, a Inspetoria adquiriu a Ilha das Flores, perto da então capital do Rio de Janeiro. Com a construção de um grande galpão, capaz de abrigar 1.000 indivíduos de uma só vez, a Ilha das Flores se converteu em local de registro, controle médico-sanitário e encaminhamento dos imigrantes para os lugares de destino. No mesmo ano foi ordenado que, depois de desembarcar no Porto do Rio de Janeiro, todos os passageiros vindos de portos estrangeiros em 3ª classe deveriam ser imediatamente transportados, com as suas respectivas bagagens, até a Ilha das Flores, onde seriam acolhidos gratuitamente até no máximo de oito dias. Os imigrantes não ficavam isolados na hospedaria como forma de evitar que contagiassem com doenças os nativos, explica Reznik. Justamente era o contrário que podemos considerar como uma "quarentena ao inverso". O investimento realizado para atrair e trazer os imigrantes não poderias ser desperdiçado com o alastramento das epidemias da cidade do Rio.
No Escritório da Diretoria da Hospedaria, o escrivão realizava o registro dos imigrantes em livros, nos quais se anotavam a procedência, o nome do navio, a data de entrada, o nome, a idade, o estado civil, a nacionalidade e a profissão de cada um.
O website do Centro de Memória da Imigração da Ilha das Flores nos indicou o caminho para achar os livros de registro de imigrantes. Estes são organizados por ano e contém as seguintes informações: data de entrada, local de embarque, nome do vapor, nome, nacionalidade, data de saída da hospedaria e local de destino. Todos os livros são digitalizados e disponíveis para consulta online no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN). No nosso caso, trata-se do dossiê BR RJANRIO OB.0.EPE, HIF.33 que registrou as entradas entre 22/11/1888 e 14/1/1889. Nas páginas 219 até 224 estão anotados, começando com o n° 29940 até 30122, 183 migrantes belgas.
Assim foi possível confirmar que todos as pessoas que embarcaram em Antuérpia tinham a nacionalidade belga. No registro da Hospedaria não aparece o nome da Maria Maes de 14 anos. Por isso há uma diferença de um nome entre o registro e a lista de bordo. Também é curioso que o nome de Maria Maes aparece duas vezes na lista de bordo, uma vez com 38 anos, outra com 14. Provavelmente o escrivão da lista de bordo errou. No FamilySearch consta que Anna Catharina Maes, nascida Van Gool, era a esposa de Johann Maes e a mãe de Maria, além de Franciscus, Elisabeth e Leonie. Fica o enigma porque o nome da Maria Maes de 14 anos não foi anotado. Temos certeza de que ela emigrou porque casou-se em 1897, em Jaraguá do Sul, na época distrito de Joinville, onde faleceu e foi enterrada em 1955. Na sua certidão de casamento, consta Catarina como nome da mãe. 'Jean Joseph Maes' com 48 anos e uma família de 6 pessoas comprou lote 5 da Colônia Jaraguá em 1° de novembro de 1896 e pagou a última parcela em 7 de abril de 1903. Seu filho Francisco, nascido na Bélgica, foi eleito o primeiro prefeito da cidade Corupa (SC), quando esta se emancipou em 1944.
Além da nacionalidade, o registro da Hospedaria informa os destinos dos migrantes. Assim sabemos que 57 tinham como destino Desterro (atual Florianópolis, SC), 55 Juiz de Fora (MG), 39 Cordeiro (RJ), 17 São Paulo (SP), 8 Socego (?), 6 Corte (a então capital Rio de Janeiro) e um nome de destino inelegível. Os destinos registrados são mais diversos que a anotação na lista de bordo From Antwerp to Minas Gerais.
A partir dos dados registrados, nós examinamos os nomes e consultamos intensivamente o site do FamilySearch e o banco de nomes do Arquivo Nacional da Bélgica. Como os nomes estão escritos a mão, tivemos grandes dificuldades para entender alguns.
Eram 48 solteiros, quase todos do sexo masculino, 4 casais com 1 filho, 3 com 2 filhos, 6 com 3 filhos, 4 com 4 filhos, 1 com 5 filhos, 3 com 6 filhos e 3 com 7 filhos.
Algumas famílias provavelmente se conheciam porque vieram do mesmo lugar, como as famílias Stael e Debacker que saíram de Wilmarsdonk, no norte de Antuérpia, mas não migraram para o mesmo lugar no Brasil. FamilySearch menciona que Maria Stael, nascida Truijens (terceira esposa do Cornelius) faleceu em Cantagalo, RJ. Joannes Debacker e sua filha Mathildis faleceram no Rio dos Cedros, SC. Outro filho, Felix Debacker, casou-se em 1915 em Jaraguá do Sul, SC. Outras famílias vieram de lugares próximos como as cidades Gelrode, Wezemaal, Kortrijk-Dutsel, Wilsele e Korbeek-Lo.
No processo, tomamos conhecimento de dois irmãos, Jan Baptist e Franciscus de Palmenaer com suas famílias de 7 e respectivamente 6 filhos que migraram de Uitbergen, Berlare em Flandres Oriental, para o Brasil. Esses sim, tinham o mesmo destino: Cordeiro.
Das cidades mencionadas nos jornais belgas: Borgerhout, Oorderen, Kalmthout, Ekeren, Stabroek, Putte, Oostmalle, Gent ou da região Vâlonia, não encontramos evidências.
Há poucas menções dos lugares onde falecerem esses emigrantes, e não temos certeza de que todos se estabeleceram na região do destino mencionado no registro. Pode ter havido também, migração dentro do Brasil. Há, por exemplo, evidência de pessoas com destino para Juiz de Fora ou Cordeiro que faleceram em Jaraguá do Sul ou Rio dos Cedros.
Alguns desses migrantes voltaram para a Bélgica. A grande família de Eduard Peers casado com Juliana Vercruyse e 7 filhos voltou logo para a Bélgica. Há um registro da filha Josephine Joanna que nasceu em 15 de dezembro de 1890 em Gent. Na mesma cidade, faleceu Eduard em data desconhecida e casou-se Marie Peers em 1903. E há o caso de Remi[gues] Ghekiere que voltou em data desconhecida e casou-se em 1910 em Liège. Outros membros da família Ghekiere ficaram no Brasil. Há prova que a irmã mais velha, Emma, faleceu em Jacarepaguá em 1953 e que seu irmão Jules se casou em 1947 no Rio de Janeiro.
No dia 19 de julho de 1889 apareceu no jornal belga Het Handelsblad e no dia seguinte no jornal Vooruit uma nota oficial do governo da província de Antuérpia, Bélgica dizendo que a situação dos belgas que migraram para o Brasil era péssima. Muitos compatriotas não receberam, na chegada, as prometidas casas, nem suas terras em Minas Gerais ou na província do Rio de Janeiro. Além disso, a febre amarela matou mais que a metade da colônia belga. Por isso, o governo alertou que migração em massa, nunca se repetiria.
Será essa notícia a razão pela qual, nos traslados do mesmo vapor Kronprinz Friedrich Wilhelm nos anos de 1889 e 1990 quase não houve emigrantes belgas? Ou a causa foram as turbulências e incertezas no início da Proclamação da República em 1889?
Em agosto de 1888, três meses antes da partida do barco Kronprinz Friedrich Wilhelm, o agente de emigração Joannes Schulz publicou vários anúncios no jornal belga La Meuse nos quais informava que estava autorizado a conceder passagem gratuita, a um número limitado de agricultores, de Antuérpia para as províncias de Minas Gerais e Rio de Janeiro no Brasil. Resta investigar se e quantos belgas fizeram uso dessa oferta e como foi feito a sua seleção.
Alguns descendentes desses belgas que chegaram no fim do ano de 1888 foram homenageados no Brasil. Por exemplo, em Joinville, no Estado de Santa Catarina, há um Centro de Educação Infantil Jorge Luiz Vanderwegen. Há ruas Verbinen em Guaramirim e Araquari. Marcos Emílio Verbinenn é nome de escola e de rua em nosso município, escreveu Silvia Regina Toassi Kita, historiadora, Arquivo Histórico de Jaraguá do Sul. Silvia nos enviou o projeto de Lei N° 32/(19)84 da Câmara de Vereadores e mais detalhes sobre o Marcos Emílio Verbinnen. Marcos nasceu no dia 08/04/1879 em Wilsele, Bélgica e veio ao Brasil com sua família ao Brasil. Na lista de bordo sabemos que eram seu pai Jean Henri [Joannes Henricus] Verbinnen, sua mãe Leonida] Catharina Vandergoor e seus irmãos Jean, Pierre, Guillaume e Marie. Estabeleceram-se me Rio dos Cedros e depois em Jaraguá do Sul na localidade de Três Rios, onde 'João Henri Verbinen' comprou lote 4 da Colônia Jaraguá em1° de novembro de 1896 e pagou a última parcela em 12 de julho de 1904. Na época tinha 51 anos e uma família de 9 pessoas. Era vizinho do seu compatriota Jean Joseph Maes, que viajou com o mesmo vapor. Marcos Verbinnen acompanhava, seu compatriota, o Coronel Emílio Carlos Jourdan, em suas medições e demarcações de terra. Marcos casou-se com Maria Luiza de Morraes em 1902 e teve 13 filhos. Dedicou-se à agricultura, principalmente bananas para exportação. Sua vida foi marcada por feitos comunitários, ajudou doentes e até transportava com sua carroça os defuntos até o cemitério. Faleceu no dia 21.09.1948. Uma outra família de belgas que estabeleceu-se em Jaraguá do Sul é a família do casal Pierre Maurissens (°1855) e Pelagie Tollet (°1854), cassados em 1880 em Bierbeek e que migraram com seus filhos Frederic (°1881), Marie (°1883), Jean [Joannes Baptista] (°1885) e Leonie (°1888). Constam 11 pessoas com o sobrenome Maurissens nos títulos eleitorais do período de 1957-1986 da cidade de Jaraguá do Sul, a maioria descendentes do Frederico e Domenica Maurissens.
Há uma rua Pedro Francisco Debacker – Padre Ulrico em Francisco Beltrão, PR. Achamos também a rua Maria Stael em Caxambu, MG e outra rua Maria Stael de Medeiros Teixeria em Cachoeiro de Itapemirim, ES. A mesma cidade tem uma Escola Municipal Maria Stael de Medeiros Teixeria. E existe a rua Charles Robert Symons em Pedreira, SP. Esses dados ainda necessitam de mais pesquisa.
Se os sobrenomes Broucard, Debacker, de Palmenaer, Deukens, Duquesne, Elearts, Ghyselens, Geeraerts, Groguard, Hoef, Honore, Houreau, Huyghe, Jacobs, Janssens, Kegels, Maes, Matthysen, Mertens, Morisot, Narroy, Peeters, Peiron, Rogiers, Stael, Symons, Turco, Vanbrokhoven, Vandenwyngaert, Vandermolen, Vandervelde, Vanderwegen, Vanhamme, Vercammen ou Willaert, ou suas possíveis versões abrasileiradas, são conhecidos, por favor entre em contato, para aprofundarmos a pesquisa sobre a ainda pouco conhecida migração belga para o Brasil.
Marc Storms, marc.storms@gmail.com, São Paulo, 10 de junho de 2024 - ajustes 22/07/2024 e 24/11/2024
Fontes:
- Museu da Imigração da Ilha das Flores - Hospedaria da Ilha das Flores (miif.org.br)
- As hospedarias de imigrantes das Américas / Luís Reznik. em "Pontes entre Europa e América Latina. Histórias de migrações e de mobilidade (XIX - XXI)." p. 103 - 122
- Sistema de Informações do Arquivo Nacional https://sian.an.gov.br/sianex/Consulta/login.asp
- FamilySearch https://www.familysearch.org/pt/
- troca de emails com Silvia Regina Toassi Kita, Historiadora Arquivo Histórico de Jaraguá do Sul