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Belgas na Hospedaria de Imigrantes do Estado de São Paulo

Inaugurada em 1887, a Hospedaria de Imigrantes do Estado de São Paulo no bairro paulistano do Braz foi a primeira morada de milhares de imigrantes do exterior e de outros estados do Brasil, que vieram para São Paulo. As principais funções da Hospedaria eram o acolhimento e o encaminhamento das pessoas imigrantes aos novos empregos.

Os livros de registros das pessoas que passaram pela Hospedaria encontram-se no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Todos, menos dois por estarem deteriorados, foram digitalizados e estão disponíveis, entre outros, no site do Museu da Imigração de São Paulo https://acervodigital.museudaimigracao.org.br/livros.php Eles abrigam o período entre os anos 1881 até 1958. A busca pode ser realizada pelo nome, sobrenome, nacionalidade, data da hospedagem e o vapor com o qual chegaram. O sistema apresenta o número do livro e a página em que consta seu registro, a qual está disponível para ser visualizada em formato digital.

É uma fonte extremamente rica, mesmo com a limitação de dados escritos à mão, algumas vezes inelegíveis. Esses dados foram baseados nas listas de bordo dos navios nos quais chegaram os imigrantes.[1]

Uma busca realizada no dia 27.01.2025 resultou em 1.643 pessoas registradas com a nacionalidade belga. Isso não significa necessariamente que exatamente 1.643 belgas migraram da Bélgica para o Estado de São Paulo. Há, por exemplo, nos anos 1887 e 1915, alguns registros de belgas que migraram de outros Estados brasileiros para São Paulo e passarem pela Hospedaria.

Um exemplo das dificuldades de decifrar as informações é o registro do belga “Pierre Antoine Detemmercan”

Detemmercan Registro Hospedagem OCR

Registro convertido em letras digitadas via Reconhecimento Óptico de Caracteres

O registro da sua família está baseado nas informações seguintes

Detemmercan Registro Hospedagem texto original

Registro original

É complicado ler o sobrenome. O escrevente, certamente não acostumado com sobrenomes de origem flamenga, escreveu como Detemmereau ou Detemmerean e o OCR interpretou como Detemmercan. Ninguém na Bélgica tem o sobrenome Detemmercan. Era provavelmente De Temmerman ou Timmerman, sobrenomes belgas bem comuns.

Outro exemplo é o registro da pessoa com nome Pierre Meuleryger. De cartas enviadas ao Serviço de Povoamento sabemos que seu sobrenome correto é Meulenyzer.

Provavelmente também podem ter ocorrido erros no registro da nacionalidade, atribuindo, por exemplo, a nacionalidade francesa invés da belga. Também é importante notar que apenas passageiros vindos de portos estrangeiros, viajando em 3ª classe, eram acolhidos nas Hospedarias de Imigrantes. 

Gráfico registros dos belgas

 

Gráfico da entrada dos belgas

O historiador belga Corneel Milh, na sua tese de mestrado em história, “Belgische emigratie naar de Republiek van Brazilië tussen 1889 en 1914" [Emigração belga para a República do Brasil entre 1889 e 1914] (Universidade Gent, 2007), observa que:

A partir de 1886, a emigração belga para o Brasil atingiu o pico entre 1888 e 1890. A principal razão para esse renascimento foi a agitação social que prevalecia na Bélgica. Assim, a emigração assumiu um caráter mais carregado ideologicamente. Vários membros dos movimentos socialistas oprimidos buscaram refúgio na emigração para o Brasil. (p. 56)

A tese do Milh abriga toda a emigração belga para o Brasil, já o gráfico acima somente a passagem de imigrantes belgas pela Hospedaria do Estado de São Paulo, mas que confirma a observação, em termos numéricos.

No século XIX, a Bélgica era considerada um paraíso econômico sob o qual se escondia um inferno social. No cartaz Por que migrar? Flandres - Bélgica na metade do século 19 da exposição A Colônia Belga e seus Descendentes no Vale do Itajaí, da qual fui curador, expliquei que os estrangeiros que visitaram a Bélgica no período ficaram impressionados com o contraste entre a aparência exuberante do país e a quantidade de pessoas pobres. 

O ano de 1886 foi marcado por uma agitação social generalizada. Uma onda de greves e revoltas eclodiu em resposta a uma série de problemas que assolavam o mundo do trabalho belga há algum tempo: superprodução, concorrência estrangeira, queda de salários e condições de vida miseráveis, nas quais a falta de políticas sociais e a queda dos salários agravavam as desigualdades econômicas e sociais. Essas revoltas foram violentamente reprimidas pelas autoridades da época.

O maior número de belgas que passaram pela Hospedaria de Imigrantes do Estado de São Paulo, 400, aconteceu no ano de 1887.

 

[1] Os dados foram convertidos em letras digitadas via Reconhecimento Óptico de Caracteres (OCR sigla em inglês) de forma automatizada sem correções posterior e sem a possibilidade de visitantes deixarem uma observação.

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