Em 9 de janeiro de 1897 foi realizada uma concorrência pública pelo governo federal visando o arrendamento da Estrada de Ferro Porto Alegre-Uruguaiana. O vencedor era o empresário Afonso Spee, representante dos interesses belgas da Société Générale pour Favoriser l’Industrie Nationale, que tinha sede em Bruxelas, cuja empresa subsidiária do setor ferroviário denominava-se Compagnie Général de Chemins de Fer Secondaire. Esta empresa que era muito reconhecida pelos serviços ferroviários que prestava na Europa organizou, à época, a Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil para atuar no Rio Grande do Sul.
Contava a nova subsidiaria da Compagnie Général com um capital de 4,5 milhões de francos. Entre os acionistas, apenas um brasileiro, o engenheiro João Teixeira Soares, que viria a ser o administrador da empresa.
O Decreto n. 2.884, de 24 de abril de 1898, concedeu autorização a Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil para instalar-se no País. Em junho desse mesmo ano, a ferrovia foi entregue a essa companhia. Tal contrato se manteve, com pequenas alterações, até 1905.
Em 1901, o governo aprovou a transferência dos escritórios da Margem do Taquari para Santa Maria onde se fundiu com os escritórios da Compagnie des Chemins de Fer Sud-Ouest Brésilien ali instaladas.
Havendo o governo federal assumido os trechos de Rio Grande a Bagé e de Santa Maria a Passo Fundo; e como acabava o contrato do trecho de Porto Alegre a Uruguaiana com a Compagnie Auxiliaire, decidiu arrendar todos os trechos de ferrovia a uma única companhia.
O bom desempenho financeiro da ferrovia administrada pelos belgas foi um importante instrumento para a formação da rede rio-grandense e, condicionante para a transferência de todas as ferrovias para o controle da Compagnie Auxiliaire. Com a autorização do Presidente da República no Decreto n 5.548, de 6 de junho de 1905, foi contratado, com a Compagnie Auxiliaire no dia 19 de junho de 1905, o arrendamento das seguintes linhas:
- Rio Grande a Bagé (em tráfego);
- Santa Maria a Passo Fundo (em tráfego);
- Alegrete a Uruguaiana (em tráfego);
- Margem do Taquari a São Leopoldo (em construção);
- Cacequi a Alegrete (em construção);
- Cacequi a Santana do Livramento (em construção);
- Montenegro a Caxias (em construção);
- Porto Alegre a Novo Hamburgo (em tráfego);
- Novo Hamburgo a Taquara (em tráfego);
- Couto a Santa Cruz (em tráfego).
Por esse contrato, estabeleceram-se os prazos para a conclusão desses trechos. A companhia cumpriu todas as ligações e obras estabelecidas nele. Ao mesmo tempo, o Decreto n. 5.549, de 5 de junho de 1905, do Presidente Rodrigues Alves, estabelecia as bases de um acordo com o governo do Rio Grande do Sul, para a incorporação das linhas de concessão estatal as extensões federais, com vistas à formação de uma rede geral de ferrovias.
Assumindo o arrendamento de 1905, a Compagnie Auxiliaire, logo, deu início à remodelação do traçado da rede, com a construção de novos trechos, com a reposição do material fixo e rodante e com a alteração do capital da empresa.
Para levar adiante seus planos de expansão no Rio Grande do Sul, bem como cumprir o que havia sido contratado com o governo federal, os belgas deram início a uma série de obras visando atingir seu intento, especialmente no prolongamento da Estrada de Ferro Porto Alegre-Uruguaiana. Assim, no ano de 1907 foi inaugurado o trecho entre Cacequi e Alegrete, e ainda no final desse ano a estrada alcançou o município de Uruguaiana.
Após a conclusão da estrada, considerada uma linha tronco, a qual partia do Vale dos Sinos, interligada com a Estrada Porto Alegre-Novo Hamburgo, e atingia Uruguaiana, foram construídas outras vias férreas de menor dimensão, denominadas ramais, como no caso o de Ramiz Galvão-Santa Cruz, com 33 km, inaugurado em 1905; Montenegro-Caxias, com 217 km, passando por Carlos Barbosa, e completado em toda sua extensão em 1910.
Nos anos de 1909 e 1910 foram inaugurados, respectivamente, os trechos de Montenegro-Rios dos Sinos e Montenegro-Santo Amaro.
Outras linhas tipificadas como troncos, pela sua importância principal, nas áreas do Estado onde foram construídas, também se interligaram a Estrada Porto Alegre-Novo. Foi o caso da Santa Maria-Marcelino Ramos e Rio Grande-Cacequi. E, a partir destas, outros ramais foram construídos, como o de Santana do Livramento, com 159 km, ligando à Rosário do Sul, entre os anos de 1909 e 1910; Ramal de Dilermando de Aguiar até São Borja, somente completado em 1938, com extensão de 305 km; Ramal Alegrete até Quaraí, com 113 km, concluído apenas em 1939.
Os jornais da época, até os contrários ao arrendamento que viam nele a submissão ao estrangeiro, referiam-se com entusiasmo às reformas. Informavam sobre a construção de moradias para os empregados da empresa e sobre a importação de material estrangeiro pela companhia.
Segundo vários autores, os problemas com a companhia começaram quando esta decidiu centralizar a administração da rede e transferir os escritórios para a cidade de Santa Maria.
Essa medida era boa para a companhia e para Santa Maria, mas ruim para a periferia que, como grandes centros produtores para exportação, sofreram o atraso e dificuldades por estarem longe do centro de comando de operações e estarem entregues a funcionários subalternos. Os serviços mais simples se tornaram complicados e atrasados. Muitas foram as reclamações do comércio, pela concorrência de outros centros e dos portos que viam seu trabalho prejudicado.
Todos esses acontecimentos se foram somando pouco a pouco e provocando transtornos à vida econômica e muito mal-estar social.
Erros contratuais de arrendamento levaram, a 11 de dezembro de 1911, à revisão do contrato, pelo Decreto n. 1.901 de 8 de novembro do mesmo ano, com a Compagnie Auxiliaire.
A companhia foi administrada pelos belgas até 1911, quando, em razão do maior número de títulos, a Brazil Railway Company de Farquhar passara a administrá-la. Mais, apesar da venda, a Compagnie manteve-se influente na questão relativa à exploração das ferrovias no Rio Grande do Sul. Prova disso é a manutenção do nome após a integração das companhias e que mesmo depois da obtenção do controle da Auxiliaire, a Philippson & Cie continuou como banqueiro da companhia. Isso possivelmente significou que a influência exercida pelos belgas ia além da administrativa.
Após a queda de Farquhar, em 1919, a Compagnie reassume suas ações e a direção da Viação Férrea. Nessa ultima fase, os franceses e belgas interessaram-se um pouco mais pela Compagnie Auxiliaire, mas já era tarde. O problema não tinha volta. A perturbação de todos os setores da vida rio-grandense acelerou o processo de deterioração da companhia e a insatisfação das classes trabalhadoras, industriais e comerciais.
O arrendamento, que deveria terminar em 1958, não ocorreu porque, em 1920, o governo do Estado decidiu assumir a ferrovia rio-grandense.
Fontes:
- A CONPAGNIE AUXILIAIRE DE CHEMINS DE FER AU BRÉSIL E A CIDADE DE SANTA MARIA NO RIO GRANDE DO SUL, BRASIL / Caryl Eduardo Jovanovich Lopes. - Barcelona: PDAG, 2002. - Fragmentos das p. 77-81
- Fragmentos da história ferroviária brasileira e rio-grandense / João Flores. - 2007. Fragmento da p. 111
- https://dfih.fr/issuers/10434